“Não o conheço, Sir. Não sei o tipo de homem que é. Mas o cargo que ocupa permite-me ter aspirações quanto ao homem que gostaria que fosse. As suas decisões afectam todas as vidas neste país. Estou aqui à sua frente por uma única vida.”
A frase anterior é retirada de uma fala da personagem histórica interpretada por Mel Gibson, James A. H. Murray, do filme de 2019 dirigido por Farhad Safinia, “O Professor e o Louco” (“The Professor and the Madman”).
Sir James Augustus Henry Murray foi um lexicógrafo e filólogo escocês do século XIX, principal responsável pela edição do Oxford English Dictionary (Dicionário Inglês Oxford).
O filme em apreço retrata a luta de Murray para concretizar a mastodôntica obra de reunir numa publicação acessível a todos, o vasto universo das palavras da língua inglesa. No decurso dos seus trabalhos conhece William Chester Minor, médico, veterano da Guerra Civil Americana, assassino condenado e encarcerado num asilo para criminosos loucos.
O filme é baseado na obra literária de Simon Winchester, “O Professor e o Louco”.
A frase com que se abre este opúsculo é atribuída ao Professor James Murray na ocasião em que, dirigindo-se a Winston Churchill, solicitou a este que assinasse os papéis que permitiriam a extradição de William Chester Minor para os Estados Unidos da América, resgatando-o dessa forma do asilo onde se encontrava internado/encarcerado.
Este encontro entre os dois e a intenção subjacente ao mesmo é um facto histórico.
Todos nós expectamos que as mulheres e os homens que ocupam cargos cujas funções inerentes aos mesmos afectam as vidas das pessoas dos seus países sejam indivíduos idóneos, capazes, eticamente irrepreensíveis e que, acima de tudo, reúnam a disponibilidade indispensável para ouvir, ler e/ou receber os seus concidadãos, ou seja, as pessoas comuns que servem após estes terem delegado, através do seu voto, a nobre função de zelar pela res publica.
É conhecida do público em geral a expressão inglesa “checks and balances”.
Trata-se de uma forma de controlo do Poder pelo próprio Poder, oferecendo-se liberdade total a cada ramo do Poder de exercer a sua função, mas sempre controlado pelos poderes restantes.
Objectiva-se o controlo e eliminação dos abusos de poder por parte de um, ou mais, dos ramos do Poder existentes: Legislativo, Executivo, Judicial.
Quis custodiet ipsos custodes?
Juvenal, poeta romano do séc. II, na sua obra “As Sátiras”, já tinha alertado: “Quem guarda os guardiões?”
Cuidado com as ditaduras! Atenção a todos aqueles que ditam as regras e as normas da Moral que não observam e praticam!
Cuidado, muita cautela, com aqueles que devem fazer cumprir o espírito e a letra da Lei e corrompem ambos!
Escrevo este breve texto para Vos comunicar que em Portugal os “pesos e contrapesos” (“checks and balances”) aparentemente estão a funcionar.
Por maior que seja o cancelamento do que se passou na comunicação social nacional – a falsificação de provas por parte de elementos da Polícia Judiciária, no “Caso do Tiro na Banheira da casa de Rosa Grilo”, com o objectivo de condenar indivíduos inocentes – conquanto a instituição Polícia Judiciária não pretenda acompanhar a evolução dos tempos, tente travar o vento de mudança com as mãos e não deseje, promova ou permita o escrutínio científico saudável, materializado na desejável e salutar cooperação adversarial, o controlo mútuo dos poderes vigentes em Portugal materializou-se no e-mail que a seguir se coloca, ilustrando o que dizemos.
Reparem que existe uma referência a um processo ao qual já foi atribuído um número de identificação.
O Ministério da Justiça, a quem é atribuída por lei a tutela da Polícia Judiciária, esta última dirigida
pelo Director Nacional (presentemente o Dr. Luís Neves), conhece o que se passou na questão da falsificação de provas por parte de elementos da Polícia Judiciária, no “Caso do Tiro na Banheira da casa de Rosa Grilo”, com o objectivo de condenar indivíduos inocentes, e, tudo indica, terá revisitado as suas leituras do poeta romano Juvenal, apresentando-se como parte da solução, não varrendo para debaixo do tapete ou enterrando a cabeça na areia como a Struthio camelus.
Nassim Nicholas Taleb, no seu Cisne Negro (2020, Publicações D. Quixote) alerta-nos (pág. 435, nota de rodapé 3): "(...) O problema da distribuição desconhecida parece-se com a dificuldade central de Bertrand Russel na lógica, com a questão "esta frase é verdadeira" - uma frase não pode conter o seu próprio predicado de verdade. Precisamos de aplicar a solução de Tarski: para cada linguagem uma metalinguagem tratará dos predicados de verdade ou falsidade dessa linguagem. (...)." (o bolt é nosso)
Ou seja, somente uma instituição "exterior" à Polícia Judiciária pode e deve escrutinar e inspeccionar os procedimentos, o desempenho e a forma como pratica as suas acções. Quem guarda os guardiões?
Não podemos continuar a assistir a declarações em sede de julgamento por parte dos responsáveis da P.J., assim como por parte daqueles que mais vezes se apresentam no Tribunal - os seus Inspectores e peritos - em que os mesmos apresentam como critério de verdade tão somente, e tão pouco, o seu próprio predicado de verdade materializado em frases desta natureza: "Vimos e se não está referido no processo é porque não estava lá!", ou pior ainda, "Coloco total confiança nos meus colegas que realizaram as perícias, pois se eles afirmaram que assim foi, apesar de não existirem registos ou protocolos de actuação, é porque de facto assim foi!"
Sra. Ministra da Justiça, Dra. Catarina Sarmento e Castro, por favor, faça a todos nós, portugueses, o obséquio de corporizar a metalinguagem indispensável para o bom funcionamento da instituição que tutela: a Polícia Judiciária!
Só desta forma permito-me a ter aspirações e suporto tudo aquilo a que até agora fui sujeito: alimentando a expectativa de que em Portugal, felizmente, ainda existem pessoas, instituições, entidades, ramos do Poder que se comportam observando rigorosos critérios éticos, não pactuando com as práticas ansiogénicas da comunicação social, evitando a nefasta cognição de protecção de identidade, apresentando-se equidistantes dos interesses das partes, sublimando o seu dever primeiro, i.e., a garantia de um estado de direito democrático das pessoas e pelas pessoas.
Bem-haja, Ministério da Justiça!
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